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Misión Jesuítica de Santísima Trinidad del Paraná
(Texto de Gabriela Vieira Lopes Ferreira; texto técnico de Prof. Dalton A. Raphael)
A Missão Jesuítica da Santíssima Trindade se destaca como a redução melhor preservada no Paraguai, ademais foi a mais ambiciosa (em termos arquitetônicos) das Missões, com um complexo urbano cobrindo uma área de cerca de 8 hectares. Criada em 1706, em 1728, já possuía uma população de 4000 mil indígenas Guaranis. O sacerdote jesuíta e arquiteto, Juan Bautista Prímoli, foi o autor da Igreja de Trinidad. Construída em pedra por volta de 1745, a Igreja principal possuía elementos muito valiosos como uma cúpula fina, a pia batismal, um púlpito trabalhado, o pórtico de sacristia, afrescos, estátuas e outros itens arquitetônicos. Nessa Missão, além da Igreja principal, ainda existem evidências que podem ser admiradas da praça central, da igreja pequena (mais antiga) e também de escola, oficinas, claustro, cemitério e de casas nativas, que refletem bem a organização social do complexo.
(Desenho Esquemático sem Escala- Ana Luísa M. Mazzarelli e Dalton A. Raphael)
O italiano Juan Bautista Primoli projetou não só a a Igreja, mas também toda a implantação desta redução, além de outras Missões da região. Trabalhou no “país Guarani”, no centro-sul da América do Sul, no século XVIII. Milanês, nascido em 10 de outubro de 1673, morreu na Missão de Candelária, hoje no Rio Grande do Sul em 11 de setembro de 1747. Projetou também diversas outras Igrejas, como São Miguel, Concepción, a Catedral de Córdoba, hoje na Argentina e trabalhou na finalização da Igreja “Nuestra Señora del Pilar“, junto ao cemitério da Recoleta em Buenos Aires, auxiliando ao também jesuíta Andrés Blanqui.
Em uma carta, o Padre Carlos Gervasione, discorre sobre Primoli:
“Este é um irmão incomparável, infatigável. Ele é o arquiteto, o mestre, o pedreiro da obra. (…) Este irmão construiu a Catedral de Córdoba, no Tucumán, a nossa igreja daquele colégio, a dos Padres Reformados de São Francisco aqui em Buenos Aires, a dos Padres da Mercê, que é maior e mais majestosa que a nossa; e anda sempre ocupado aqui e acolá, a ver, a examinar, a levantar planos…”.
O conjunto da “Santísima Trinidad” se compunha da Igreja maior, claustro, grandes praças, dois cemitérios, horta e pomar, uma segunda igreja antiga, oficinas, colégio, cotiguazu e várias vilas residenciais para o gentio. O campanário que mais parece uma torre de vigia, é separado da Igreja maior, próximo à Igreja primitiva.
Em “Santísima Trinidad” se encontra um museu, de importante valor para o estudioso de Estereotomia, o que poderá ser observado nas imagens abaixo. São peças esculpidas, gárgulas, santos, anjos, esferas, fragmentos de cimalha, frisos, guirlandas e diversas outras partes talhadas da arquitetura.
As três naves divididas por grandes arcadas, algumas ainda existentes.
O espaço do altar-mor é um festival de fatos estereotômicos; a capela mor é margeada por vãos que exibem arcos retos (Referência Teórica 3, item 1) nas impressionantes e incomparáveis aduelas (Glossário) de mais de dois metros de altura na parte superior dos dois arcos.
Sobre esses vãos, exibem-se dois brasões esculpidos em relevo; um deles sobre as aduelas (Glossário) e pedra chave e outro no assentamento normal da parede. Os dois brasões encimam aos dois pórticos de acesso à sacristia e dependências.
Ainda no ambiente do altar-mor é possível encontrar o nascimento de uma enorme abóbada de berço e o que sobrou de uma abobadilha (Glossário)(escorada por caibros), sobre um vão, do lado da Epístola. Completam as paredes do altar mor, em ambos os lados, molduras, também executadas em relevo, que fatalmente guarneceriam pinturas como acontece nos ambientes mais sacros das igrejas da época (fotos abaixo).
As peças (imagens abaixo), poderiam ter função estereotômica ou apenas só de revestimento, são pedras talhadas integrantes da arquitetura da igreja e estão depositadas no Museu local.
Há uma infinidade de fragmentos e esculturas feitas pelos Guaranis sob a orientação dos padres, que nos permitem imaginar como seria linda essa ermida, antes de ruir: santos, anjos, alcatruzes, encaixes, volutas, frisos, gárgulas, guirlandas cromatizadas, esferas, dorsos, bustos, capiteis e fragmentos diversos.
No interior da Igreja Maior, se destaca um único púlpito. No seu tambor (Glossário), além da representação da flora, intrigantes e preciosos os entalhes de alguns anjos, cuja tez é claramente de inspiração indígena; complementam o conjunto simpáticos macaquinhos, além de mísulas de conotação jônica, com volutas adornadas de folhas e frutos.
Também compõe o púlpito, uma intrigante bacia (que de maneira dissimulada repousa no solo), também ornada com motivos fitomorfos.
A foto acima, nos mostra a parte posterior do púlpito; ao centro (à direita da foto), o acesso por onde o oficiante acessava o local, para efetuar o sermão.
Destacam-se ainda a pia batismal e algumas imagens de santos que infelizmente se descaracterizaram, tanto com o desmoronamento da arquitetura, quanto pela a ação do tempo. O arco do cruzeiro, a exemplo de “Jesús de Tavarengue“, era chanfrado a 45º e junto ao chanfro havia duas esculturas sacras guardando o altar.
As três primeiras fotos acima, dizem respeito aos dois imensos conglomerados estereotômicos adjacentes ao arco cruzeiro; a quarta foto mostra um vão na lateral do transepto, na qual dois anjos em relevo, sustentavam um brasão ou algo assemelhado, cuja trama estereotômica foi insuficiente e infelizmente já não é ostentado.
Estes imensos conglomerados, além de facultarem acessos aos altares co-laterais através de arcos, teriam sido os suportes da grande cúpula, composta por oito triângulos esféricos.
É possível que no lado do Evangelho, uma porta e uma escada pudessem dar circulação para o extradorso desta cúpula e/ou para galerias situadas sobre as naves laterais.
Segundo a maquete existente no museu de “La Santísima Trinidad“, essa cúpula era octogonal. Todavia não se pode descartar a possibilidade da existência de alguma outra cobertura para o cruzamento do transepto com a nave principal. Há evidências da existência de duas abóbadas de berço e não há sinais de tímpanos ou pendentes da sustentação para a cúpula sugerida na maquete.
Na foto abaixo, o local do transepto, onde se situaria a provável cúpula ruída. Em ambos os braços, analisando a mesma foto, é possível notar o arranque das abóbadas de berço, que utilizavam o apoio de pequenas cimalhas como impostas.
Uma das maiores heranças do conhecimento investido no país Guarani, ou seja, da inteligência e da experiência que os jesuítas nos trouxeram (fossem eles espanhóis, italianos ou portugueses), foram os dutos de aquecimento encontrados nas dependências do claustro. Desconhece-se a maneira, mas se sabe que a água era aquecida em uma piscina (foto abaixo) anexa às dependências de moradia e colégio. A exemplo do que também acontecia ali perto, em “Jesus de Tavarengue“, a água fervendo circulava, descendo por gravidade e o vapor d’água subia por dutos parcialmente vedados por pedras, que assim possibilitavam a subida do vapor quente, que aquecia os ambientes.
Do outro lado, já resfriada e amornada, a água esgotava por uma calha a céu aberto.
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Os dutos não eram constituídos por alcatruzes (Glossário). Eram de pedra rejuntada e não raro poderiam além de sua função original permitir a passagem de pequenos animais além dos rastejantes.
Nos ambientes do claustro, próximos da piscina, paredes duplas deixavam intencionalmente frestas voltadas para o interior, em geral cantos; este foi o expediente utilizado para permear a entrada do vapor quente.
A próxima foto destaca o sistema de fixação empregado para as peças em relevo. Não se sabe se, por economia, pela mão de obra, pela inocência do gentio em termos estruturais ou até pela pressa, alguns arremates nos grandes pilares da cúpula são apresentados, não como peças estereotomicas, mas como apliques superficiais.
A análise detida e detalhada da foto é bastante significativa e nela podemos notar a a metade inferior de uma moldura elíptica, os dísticos vazados de um brasão e o vão de um nicho cilíndrico que teoricamente suportaria o arremate esférico do nicho. Pelo lado direito da imagem, o arranque de arcadas e uma rica moldura.
Evidencie-se que, pela quantidade de molduras e nichos (para o abrigo de imagens), ambos em pedra, distribuídos pela nave central e pelas guirlandas cromatizadas encontradas no sítio, pode-se supor que havia a intenção de prover a Deus, com uma linda basílica da Santíssima Trindade.
Na mesma área onde se deveria encontrar a cúpula octogonal há, em um subsolo, uma cripta. Neste ambiente, a análise das vigas nos mostra que não são as originais. Todavia um trabalho muito bem executado de substituição não permitiu nenhum sinal ou movimentação tanto interior, quanto exterior. Um detalhe muito interessante é que na nave principal, a diagramação do piso foi elaborada de tal forma, que o caminho central é demarcado, tal qual uma passadeira que termina na galeria da tumba.
O salão da cripta possui diversos locais para o repouso dos falecidos, provavelmente uma exclusividade aos pertencentes à Ordem dos Jesuítas.
De todos os vãos que restam em pé, aquele apresentado abaixo é o pórtico mais magnífico. Executado em arcos abatidos (Referência Teórica 2, item 6) com capialçado, eis um legítimo arco onde foi aplicada, muita Estereotomia. Sua decupagem perfeita faz a transferência de um arco, quase pleno (no exterior) para um magnífico arco abatido (no interior). Algo semelhante se nota na Fortaleza de Santa Cruz da Barra, Niterói, RJ.
Do vão exterior de pequena luz, através do capialçado, o vão se mostra bem maior internamente, além de apresentar um arco mais abatido tão sólido quanto sua configuração. Só este arco vale ao interessado por Estereotomia, a visita à “Santísima Trinidad“.
Das “vilas” construídas para os Guaranis, em alguns locais, pouco sobrou; no caso demonstrado a seguir, restam apenas as fundações das edificações.
As grandes arcadas nas vilas de “La Santísima Trinidad” sustentariam coberturas mais ambiciosas e não tão somente simples alpendres.
O piso da igreja velha, detém curioso caimento para o centro, onde uma calha corre em sentido longitudinal até o altar mor. Em alguns locais da nave, no alto das paredes, cimalhas reais preconizam o suporte a algum tipo de cobertura, que se supõe fosse o permeável sapé, uma vez que o piso apresenta caimento.
Abaixo, as ambiciosas arcadas das vilas residenciais, o campanário–torre e uma vista geral.
Em idade contemporânea, sobre a cimalha real de uma sala contígua à sacristia, foi completada em tijolos de argila cozida, uma abóbada de barrete de clérigo (Referência Teórica 4, item 3); de pouca flecha, essa abóbada é melhor percebida pelo seu intradorso, no interior do ambiente.
Além do extradorso desta abóbada, a próxima foto mostra ainda, uma galeria do claustro e na face exterior do transepto da igreja maior, a marca de uma água de cobertura, cuja finalidade se desconhece, e seu apoio em curioso capitel em relevo.
A foto também indica ao olhar mais aguçado que a abóbada barrete de clérigo, não nasceria da cimalha interna, como se reconstituiu tardiamente. O olhar acostumado denotaria que a abóbada chegou a ter seu arranque sobre a parede da sala anexa à sacristia, mas, se não ruiu, nunca foi levada a termo.
Junto à Igreja primitiva, algumas “vilas” se apresentam sem as arcadas características de “Santísima Trinidad“.
Todavia, embora a estruturação dos arcos plenos já esteja contida, intervenção muito necessária para que se mantenha o patrimônio ainda existente, a emoção de contemplar os pesados arcos sempre está presente.
As derradeiras fotos trazem o belíssimo pórtico externo, emoldurado com uma formação em relevo de coluna com dintel fracionado, algumas peças cuja argamassa resistiu, uma diagramação de piso encontrada na área do claustro, e um vão, com sobreverga maciça ou dintel monolítico (Referência Teórica 2, item 1).
Repensando sobre cada Missão Jesuítica, chega-se a conclusão que as reduções nos emocionam de uma maneira diferente: Sant’Anna, pelo que deve ter sido e jamais poderemos ver, apenas supor; São Miguel Arcanjo e a Estereotonia inequívoca, como aquela que sustenta o solitário campanário vizinho à galilé e as arcadas das naves além de seu valiosíssimo Museu; San Ignácio Mini, com seu acervo (inclusive musical), prova da pujança cultural dos povos Guaranis; Jesús de Tavarengue, com sua estética mourisca.
Foram mais de trinta povos. Fica a impressão de que La “Santíssima Trinidad” talvez seja aquela que mais emocione porque reune em seu conjunto todo o esplendor que as outras demonstram de maneira isolada.